Resenha: Justine – Ou os tormentos da virtude

Justine, ou Les Malheurs de La Vertu
Justine – Ou os tormentos da virtude
Autor: Marquês de Sade
Exilado Livros
Páginas: 117
Nota: 5/5


O você está disposto a suportar para manter sua virtude?

Confesso que me questionei o tempo inteiro se eu teria o mesmo apego as minhas virtudes. Sade, faz um contraponto entre o bem e o mal, onde, em muitos momentos, você se pergunta se não vale mais a pena seguir o caminho mais fácil, deixando de lado suas convicções e princípios.

Lendo mais sobre a história de Sade e de todos os seus crimes, questiono o quão relevante Justine foi para suas acusações. Ao ler o livro, cada um dos infortúnios que ela passou, me pareceram denúncias as atitudes comuns de uma sociedade hipócrita, onde a alta sociedade tratava os pobres como bem entendesse, fazendo deles seus escravos, instrumentos para seus crimes ou meros corpos para estudo. Uma denúncia escrachada a igreja, onde todas as suas imundícies são acobertadas pelo alto escalão do clero (isso lembra alguma coisa?).

Justine e sua irmã, Juliette se separam ao serem expulsas do convento após a morte de seus pais. Justine segue seu caminho decidida a manter sua virtude, e procura conhecidos de seus pais. Juliette decide seguir o caminho mais fácil, e ao se tornar prostituta, consegue se casar com um Conde. Justine não tem o mesmo sucesso e sofre por tentar manter suas convicções.

Os amigos de seus pais não a ajudam. O padre que conhecia, oferece abrigo desde que esteja disposta a atender seus caprichos. Em busca de abrigo e meios para sobreviver, Justine viaja e vai caindo em situações cada vez mais aterradoras. Um casal avarento que a obriga a roubar. Um marquês que a obriga a matar. Um médico que sequestra e usa suas vítimas como cobaias. E o momento em que mais me trouxe choque: um convento onde padres libertinos praticavam todos os tipos de tortura e sadismo com as mulheres que eram sequestradas.
“Doce solidão, disse para mim mesma, como tua morada me causa inveja. Deve ser o asilo de algumas religiosas ou de alguns santos eremitas, ocupados somente com seus deveres, totalmente consagrados à religião, afastados daquela sociedade perniciosa onde o crime, lutando incessantemente contra a inocência, acaba sempre de triunfar. Estou certa de que todas as virtudes devem morar ali.” (pág. 56)
Quando Justine chegou a esse convento, pensei “não pode acontecer algo pior do que já aconteceu até aqui”. Mas me enganei totalmente. E embora, sendo masoquista, me senti desconfortável com o que ela passou. Aquele desconforto em saber que não era algo consentido, apesar do prazer de seus algozes, Justine era uma vítima da luxúria e impunidade que os monges sabiam que tinham.

E no meio da leitura eu comecei a me questionar o quanto valia a pena tentar manter sua virtude. Justine até então só recebia em troca todos os males possíveis. Nem um momento de felicidade e nem mesmo nenhuma recompensa era dada a ela. Que a cada algoz por quem passava, ela via os mesmos triunfarem em fortunas e reconhecimento, enquanto ela carregava as cicatrizes e dores de seus infortúnios.
“Oh, céus, exclamei com amargor, será então impossível que uma ação virtuosa possa nascer-me no coração e que não seja logo punida com as desgraças mais cruéis para mim no universo?” (pág. 86)

“Aí estava o novo exemplo que a Providência me preparava; esta era a maneira como queria ainda convencer-me de que a prosperidade era recompensa do crime, enquanto que a infelicidade era a da virtude.” (pág. 94)
Tão feroz quanto o algoz que sangra sua presa, é o homem que assiste a cena. Em vários momentos Justine é chicoteada e abusada na frente de outras pessoas. Em alguns momentos é acusada de crimes que não cometera, mas mesmo assim todos se calam ou assistem com prazer o seu infortúnio. A maldade está tão presente no homem que ergue o chicote quanto naquele que assiste inerte.
“O homem é naturalmente mau, ele está no delírio das suas paixões quase sempre como na sua calma, e em todos os casos, os males do seu semelhante podem ser prazeres execráveis para ele. (pág. 92)
Apesar do erotismo presente, o livro me pareceu mais uma crítica a uma sociedade doente. Um homem que teve coragem de expor o que acontecia na época. Talvez por seus escritos posteriores, Justine tenha se tornado mais erótico que crítico. Mas lendo ele, isoladamente, não me pareceu tão erótico. 

Justine é profundo. Questiona o bem e o mal. É filosófico. Revela uma sociedade libertina e mundana. É forte e, em alguns momentos, assustador e cruel. Mas é uma leitura em que você torce pela mocinha e se decepciona com a sequência de desastres.
“Oh, vós que ledes esta história, possais tirar dela o mesmo proveito que aquela mulher mundana e corrigida; possais convencer-vos com ela que a verdadeira felicidade está somente no seio da virtude, e que se Deus quer que ela seja perseguida na terra, e para preparar no céu a mais faustosa recompensa.” (pág 117)
A edição que li não estava boa. Talvez com alguns erros de tradução. E muitos erros ortográficos. Nada que prejudique a leitura. Mas uma edição impressa pode ser mais agradável.

Paola_FZ

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