Tarnsman de Gor: I - Um Punhado de Terra

I - Um Punhado de Terra

Meu nome é Tarl Cabot. O nome supostamente foi abreviado no século XV, a partir do sobrenome italiano Cabato. Pelo que sei, no entanto, não tenho nenhuma ligação com o explorador veneziano que carregou a bandeira de Henrique VII para o Novo Mundo. Tal conexão parece improvável por uma série de razões, entre elas o fato que meus ancestrais eram simples comerciantes de Bristol, igualmente de pele clara e coroados com labaredas do mais escandaloso cabelo vermelho. No entanto, tais coincidências, mesmo que sejam apenas geográficas, permanecem na memória da família - nosso pequeno desafio aos livros-razão e à aritmética de uma existência medida em peças vendidas de tecido. Gosto de pensar que pode ter havido um Cabot em Bristol, um de nós, que assistiu o nosso xará italiano zarpar na madrugada daquele segundo dia de maio de 1497.

Você pode comentar meu primeiro nome, e eu lhe asseguro que ele me causou tantos problemas quanto a você, particularmente durante meus primeiros anos de escola, quando ocasionou quase tantas disputas de habilidade física quanto meu cabelo ruivo. Digamos simplesmente que não é um nome comum, não é comum neste nosso mundo. Foi-me dado por meu pai, que desapareceu quando eu era bem jovem. Achei que ele estava morto até receber sua estranha mensagem, mais de vinte anos depois de seu desaparecimento. Minha mãe, a quem ele perguntou, morreu quando eu tinha cerca de seis anos, mais ou menos na época em que entrei na escola. Os detalhes biográficos são tediosos, então basta dizer que eu era uma criança brilhante, bastante grande para a minha idade, e recebi uma educação digna de crédito por uma tia que forneceu tudo que uma criança poderia precisar, com a possível exceção do amor.

Surpreendentemente, consegui entrar na Universidade de Oxford, mas não optarei por embaraçar minha faculdade inserindo seu nome um tanto reverenciado nesta narrativa. Eu me formei com decência, não tendo conseguido surpreender a mim mesmo ou a meus tutores. Como um grande número de jovens, encontrei-me razoavelmente educado, capaz de analisar uma frase ou algo assim em grego e familiarizado o suficiente com as abstrações da filosofia e da economia para saber que eu provavelmente não me encaixaria naquele mundo com o qual eles afirmavam ter alguma relação obscura. Eu não estava, no entanto, conformado em acabar nas prateleiras da loja da minha tia, junto com o tecido e a fita, e então embarquei em uma aventura selvagem, mas não muito selvagem, considerando todas as coisas.

Sendo letrado e não muito chato, e tendo lido história o suficiente para conhecer da Renascença até a Revolução Industrial, eu me inscrevi em várias pequenas faculdades americanas como um professor de história - história inglesa, é claro. Eu disse a eles que era um pouco mais avançado academicamente do que eu era, e eles acreditaram em mim, e meus tutores, em suas cartas de recomendação, foram bons companheiros, gentis o suficiente para não os desiludir dessa ilusão. Acredito que meus tutores gostaram muito da situação, o que eles, naturalmente, não me permitiram oficialmente saber que entendiam. Foi a Guerra Revolucionária novamente. Uma das faculdades a qual me inscrevi, talvez um pouco menos perspicaz do que as outras, uma pequena faculdade de artes liberais para homens em New Hampshire, entrou em negociações, e logo recebi o que seria o meu primeiro e, suponho, o meu último emprego no mundo acadêmico. Com o tempo, presumi que seria descoberto, mas, enquanto isso, tive minha passagem para a América paga e um cargo por pelo menos um ano. Este resultado me pareceu agradável, embora desconcertante. Admito que fiquei aborrecido com a suspeita de que eu havia sido nomeado para o cargo, em grande parte, porque seria um exótico do corpo docente. Certamente eu não tinha publicações e tenho certeza de que deve ter havido vários candidatos de universidades americanas cujas credenciais e capacidades teriam superado em muito as minhas, exceto pelo desejável sotaque britânico. Sim, haveria a rodada de chás, coquetéis e convites para jantar.

Gostei muito da América, embora tenha estado bastante ocupado no primeiro semestre, destruindo numerosos textos de uma maneira indigna, tentando memorizar o suficiente da história da Inglaterra para manter pelo menos um reinado ou algo assim à frente de meus alunos. Descobri, para meu espanto, que ser inglês não qualifica automaticamente alguém como autoridade em história inglesa. Felizmente, meu chefe de departamento, um homem gentil de óculos, cuja especialidade era história econômica americana, sabia ainda menos do que eu, ou, pelo menos, era atencioso o suficiente para permitir que eu acreditasse nisso.

As férias de Natal ajudaram muito. Eu estava contando especialmente com o tempo entre os semestres para recuperar o atraso, ou, melhor, aumentar minha vantagem sobre os alunos. Mas, após os trabalhos de conclusão de curso, os testes e as notas do primeiro semestre, fui afligido por um desejo irresistível de abandonar o Império Britânico e fazer uma longa caminhada - na verdade, até mesmo um acampamento nas Montanhas Brancas próximas.

Peguei emprestado alguns equipamentos de acampamento, principalmente uma mochila e um saco de dormir, de um dos poucos amigos que fiz na faculdade - um instrutor também, mas na deplorável disciplina de educação física. Ele e eu tínhamos nos aproximado e, ocasionalmente, saíamos para caminhadas. Às vezes me pergunto se ele está curioso sobre o que aconteceu com seu equipamento de acampamento, ou com Tarl Cabot. Certamente a administração do colégio estava curiosa e zangada com o inconveniente de ter que substituir um instrutor no meio do ano, pois Tarl Cabot nunca mais se ouviu falar dele no campus daquele colégio.

Meu amigo do departamento de educação física me levou alguns quilômetros até as montanhas e me deixou lá. Combinamos nos encontrar novamente em três dias no mesmo lugar. A primeira coisa que fiz foi verificar minha bússola, como se soubesse o que estava fazendo, e então comecei a deixar a rodovia bem atrás de mim. Mais rapidamente do que percebi, estava sozinho na floresta, escalando. Bristol, como você sabe, é uma área fortemente urbanizada e eu não estava bem preparado para meu primeiro encontro com a natureza. Certamente o colégio, embora um tanto rural, era pelo menos uma das obras externas da, digamos, civilização material. Eu não estava com medo, pois estava confiante de que caminhar firmemente em qualquer direção certamente me levaria a uma rodovia ou outra, ou a um riacho ou outro, e que seria impossível me perder, ou pelo menos por muito tempo. Primeiramente, eu estava feliz por estar sozinho, comigo mesmo e com os pinheiros verdes e as manchas de neve.

Eu caminhei por quase duas horas antes de finalmente ceder ao peso da mochila. Eu comi um almoço frio e estava de volta ao meu caminho, entrando mais fundo nas montanhas. Fiquei satisfeito por ter regularmente dado uma ou duas voltas ao redor da faculdade.

Naquela noite, deixei cair minha mochila perto de uma plataforma de pedra e comecei a reunir um pouco de lenha para uma fogueira. Eu tinha me afastado um pouco da minha lâmpada improvisada quando parei, assustado por um momento. Algo na escuridão, à esquerda, caído no chão, parecia brilhar. Tinha um brilho azul turvo e calmo. Larguei a madeira que juntei e me aproximei do objeto, mais curioso do que qualquer outra coisa. Parecia ser um envelope de metal retangular, bastante fino, não muito maior do que o envelope normal que costumamos usar para correspondência. Eu toquei; parecia estar quente. Meu cabelo se arrepiou na nuca; meus olhos se arregalaram. Eu li, em uma escrita em inglês bastante arcaica inscrita no envelope, duas palavras - meu nome, Tarl Cabot.

Foi uma piada de alguma forma, meu amigo me seguiu, deve estar escondido em algum lugar na escuridão. Chamei seu nome, rindo. Não houve resposta. Corri pela floresta por um momento, sacudindo arbustos, batendo na neve dos galhos baixos dos pinheiros. Eu então caminhei mais devagar, com mais cuidado, ficando quieto. Eu iria encontrá-lo!

Cerca de quinze minutos se passaram e eu estava ficando com frio, com raiva. Eu gritei para ele. Ampliei minha busca, mantendo aquele estranho envelope de metal com sua luz azul o centro de meus movimentos. Por fim, percebi que ele deve ter plantado o objeto estranho, deixado para que eu descobrisse, e provavelmente estava a caminho de casa agora ou talvez estivesse acampando em algum lugar próximo. Eu estava confiante de que ele não estava ao alcance da voz ou ele teria respondido. Não era mais engraçado, não se ele estivesse por perto.

Voltei ao objeto e o peguei. Parecia mais frio agora, embora ainda tivesse a nítida impressão de calor. Era um objeto estranho. Eu o trouxe de volta para meu acampamento e acendi minha fogueira, contra a escuridão e o frio. Eu estava tremendo, apesar de minhas roupas pesadas. Eu estava suando. Meu coração estava batendo. Minha respiração estava curta. Eu estava com medo.

Consequentemente, lenta e calmamente, comecei a cuidar do fogo, abri uma lata de chili e montei gravetos para segurar a pequena panela sobre o fogo. Essas atividades domésticas desaceleraram meu pulso e conseguiram me convencer de que eu poderia ser paciente e até mesmo não estava muito interessado no conteúdo do envelope de metal. Quando o chili estava esquentando, e não antes, voltei minha atenção para o objeto intrigante. Eu o virei várias vezes em minhas mãos e o estudei à luz da fogueira. Tinha cerca de trinta centímetros de comprimento e dezoito centímetros de altura. Pesava cerca de 120 gramas. A cor do metal era azul e algo de seu ambiente continuava a caracterizá-lo, mas o brilho estava desaparecendo. Além disso, o envelope não parecia mais quente ao toque. Há quanto tempo estava esperando por mim na floresta? Há quanto tempo ele foi colocado lá?

Enquanto eu considerava isso, o brilho diminuiu abruptamente. Se tivesse desaparecido antes, eu nunca o teria descoberto na floresta. Era quase como se o brilho tivesse sido conectado com a intenção do remetente, como se o brilho, não mais necessário, tivesse sido autorizado a desaparecer. “A mensagem foi entregue”, disse a mim mesmo, sentindo-me um pouco bobo ao dizer isso. Não achei minha piada particular muito engraçada.

Eu olhei atentamente para as letras. Assemelhava-se a alguma escrita em inglês agora desatualizada, mas eu sabia muito pouco sobre essas coisas para arriscar um palpite sobre a data. Algo nas letras me lembrou daquelas em uma carta colonial, uma página da qual havia sido fotocopiada para uma ilustração em um de meus livros. Século XVII, talvez. A inscrição em si parecia estar inserida no envelope, colada em sua estrutura metálica. Não consegui encontrar nenhuma costura ou aba no envelope. Tentei vincar o envelope com o polegar, mas não consegui. Sentindo-me um tanto tolo, peguei o abridor de latas que havia usado na lata de feijão e tentei forçar a ponta de metal através do envelope. Por mais leve que o envelope parecesse, resistia ao ponto como se eu estivesse tentando abrir uma bigorna. Apoiei-me no abridor de latas com os dois braços, pressionando com todo o meu peso. A ponta do abridor de lata estava dobrada em um ângulo reto, mas o envelope não havia sido arranhado.

Manuseie o envelope com cuidado, perplexo, tentando determinar se ele poderia ser aberto. Havia um pequeno círculo no verso do envelope e parecia ser a impressão de um polegar. Limpei na manga, mas não desapareceu. As outras impressões no envelope, de meus dedos, foram apagadas imediatamente. O melhor que pude, examinei a impressão no círculo. Também, como as letras, parecia uma parte do metal, mas seus sulcos e lineamentos eram extremamente delicados.

Por fim, tive certeza de que fazia parte do envelope. Eu pressionei com meu dedo; nada aconteceu. Cansado dessa estranha atividade, coloquei o envelope de lado e minha atenção para o feijão, que agora borbulhava sobre a pequena fogueira. Depois de comer, tirei as botas e o casaco e me arrastei para o saco de dormir.

Fiquei ali deitado ao lado do fogo que morria, olhando para o céu coberto de ramos e para a glória mineral do universo inconsciente. Fiquei acordado por um longo tempo, sentindo-me sozinho, mas não sozinho, como às vezes se faz no deserto, sentindo-me como se fosse o único objeto vivo no planeta e como se as coisas mais próximas de nós - o nosso destino e talvez o destino - estava fora de nosso pequeno mundo, em algum lugar nas pastagens remotas e estranhas das estrelas.

Um pensamento me atingiu com rapidez súbita e tive medo, mas sabia o que deveria fazer. O assunto do envelope não era uma farsa, não era um truque. Em algum lugar, no fundo de tudo o que eu sou, eu sabia disso e sabia desde o início. Quase como se estivesse sonhando, mas com clareza vívida, saí parcialmente do meu saco de dormir. Rolei e joguei um pouco de lenha no fogo e peguei o envelope. Sentado no saco de dormir, esperei que o fogo aumentasse um pouco. Em seguida, coloquei cuidadosamente meu polegar direito na impressão do envelope, pressionando com firmeza. Respondeu ao meu toque, como eu esperava, como eu temia que faria. Talvez apenas um homem pudesse abrir aquele envelope - aquele cuja impressão se encaixava na estranha fechadura, aquele cujo nome era Tarl Cabot. O envelope aparentemente sem costura se abriu, quase com o som de celofane.

Um objeto caiu do envelope, um anel de metal vermelho com o símbolo simples 'C'. Eu mal percebi em minha excitação. Havia letras no interior do envelope, que se abriu de uma maneira surpreendentemente parecida com uma carta de correio aéreo estrangeiro, onde o envelope também serve como papel de carta. As letras estavam com a mesma caligrafia do meu nome do lado de fora do envelope. Notei a data e congelei, minhas mãos cerradas no papel metálico. Estava datado de 3 de fevereiro de 1640. Estava datado de mais de trezentos anos atrás e eu o estava lendo na sexta década do século XX. Curiosamente, também, o dia em que o estava lendo era três de fevereiro. A assinatura na parte inferior não estava na escrita antiga, mas poderia ter sido feita em inglês cursivo moderno.

Eu já tinha visto a assinatura uma ou duas vezes antes, em algumas cartas que minha tia havia guardado. Eu conhecia a assinatura, embora não conseguisse me lembrar do homem. Era a assinatura de meu pai, Matthew Cabot, que havia desaparecido quando eu era criança.

Eu estava tonto, inquieto. Pareceu que minha visão vacilou; eu não conseguia me mover. As coisas escureceram por um momento, mas eu me sacudi e cerrei os dentes, respirei o ar frio e cortante da montanha, uma, duas, três vezes, lentamente, reunindo o contato penetrante da realidade em meus pulmões, me assegurando de que estava vivo , não sonhando, que tinha nas mãos uma carta com uma data incrível, entregue mais de trezentos anos depois nas montanhas de New Hampshire, escrita por um homem que presumivelmente, se ainda estivesse vivo, era, como calculamos o tempo, não mais de cinquenta anos de idade - meu pai. Mesmo agora, posso me lembrar da carta até a última palavra. Acho que vou levar sua mensagem simples e abrupta gravada nas células do meu cérebro até que, como já foi dito, eu retorne às Cidades de poeira.

No terceiro dia de fevereiro, no Ano de Nosso Senhor de 1640.

Tarl Cabot, filho:
Perdoe-me, mas não tenho escolha nessas questões. Foi decidido. Faça o que achar que é do seu interesse, mas o destino está sobre você e você não escapará. Desejo saúde para você e para sua mãe. Leve consigo o anel de metal vermelho, e traga-me, se quiser, um punhado de nossa terra verde. Descarte esta carta. Será destruída.

Com afeto, 
Matthew Cabot

Li e reli a carta e fiquei estranhamente calmo. Parecia claro para mim que eu não era louco, ou se era, que a loucura era um estado de clareza mental e compreensão totalmente à parte do tormento que eu tinha imaginado que fosse. Coloquei a carta na minha mochila. O que eu precisava fazer era bastante óbvio - sair das montanhas assim que amanhecesse. Não, pode ser tarde demais. Seria uma loucura, lutando na escuridão, mas parecia não haver mais nada que pudesse servir. Eu não sabia quanto tempo tinha, mas mesmo que fosse apenas algumas horas, poderia ser capaz de chegar a alguma estrada ou riacho ou talvez a uma cabana.

Verifiquei minha bússola para obter o rumo de volta à rodovia. Eu olhei inquieto na escuridão. Uma coruja piou uma vez, talvez cem metros à direita. Algo lá fora pode estar me observando. Foi uma sensação desagradável. Calcei minhas botas e casaco, enrolei meu saco de dormir e arrumei a mochila. Eu chutei o fogo em pedaços, apagando as brasas, raspando a terra sobre as faíscas.

Assim que o fogo estava apagando, percebi um brilho nas cinzas. Abaixando-me, peguei o anel. Estava quente das cinzas, duro, substancial - um pedaço da realidade. Ele estava lá. Coloquei-o no bolso do casaco e comecei a apontar a bússola, tentando voltar para a rodovia.

Eu me senti um idiota tentando caminhar no escuro. Estava pedindo pra quebrar uma perna ou tornozelo, se não um pescoço. Ainda assim, se eu pudesse colocar uma milha ou mais entre mim e o antigo acampamento, isso seria suficiente para me dar a margem de segurança de que precisava – do quê, eu não sabia. Eu poderia então aguardar até o amanhecer e caminhar na luz, em segurança, confiante. Além do mais, seria mais simples seguir o caminho na luz. O importante era não ficar no acampamento antigo. 

Eu havia caminhado perigosamente pela escuridão por talvez vinte minutos quando, para meu horror, minha mochila e meu saco de dormir pareceram explodir em chamas azuis nas minhas costas. Foi uma reação instantânea quando os arremessei para longe de mim, e eu olhei, perplexo, aterrorizado, para o que parecia ser uma combustão azul furiosa que iluminou os pinheiros por todos os lados como se fossem chamas de acetileno. Era como olhar para uma fornalha. Eu sabia que era o envelope que pegara fogo, levando minha mochila e meu saco de dormir. Estremeci, pensando no que poderia ter acontecido se eu o estivesse carregando no bolso do casaco.

Estranhamente, agora que penso nisso, não corri precipitadamente do local, embora não consiga ver por que, e me passou pela cabeça que a brilhante luminescência semelhante a uma chama revelaria minha posição, se fosse de interesse para qualquer pessoa ou coisa. Com uma pequena lanterna, ajoelhei-me ao lado das faíscas de minha mochila e do saco de dormir. As pedras nas quais eles caíram estavam enegrecidas. Não havia nenhum vestígio do envelope. Parecia ter sido totalmente consumido. Havia um odor desagradável e acre no ar, alguns gases de um tipo que eu não conhecia. Ocorreu-me a ideia de que o anel, que coloquei no bolso, também poderia explodir em chamas, mas, talvez inexplicavelmente, eu duvidei disso. Pode haver uma razão para alguém destruir a carta, mas presumivelmente haveria pouca ou nenhuma razão para destruir o anel. Por que deveria ter sido enviado senão para ser guardado? Além disso, fui avisado sobre a carta - um aviso que tinha negligenciado tolamente -, mas me pediram para carregar o anel. Fosse o que fosse, pai ou não, que fosse a fonte desses acontecimentos assustadores, não parecia desejar-me mal, mas então, pensei, um tanto amargamente, enchentes e terremotos presumivelmente não desejam mal a ninguém. Quem conhecia a natureza das coisas ou forças que estavam em andamento naquela noite nas montanhas, coisas e forças que talvez pudessem me esmagar, casualmente, como alguém pisa inocentemente em um inseto sem ter consciência disso ou se importar? Eu ainda tinha a bússola, e isso constituía um vínculo firme com a realidade. A explosão silenciosa, mas intensa do envelope em chamas me fez ficar momentaneamente confuso – isso e o súbito retorno à escuridão da horrível luz ofuscante do envelope em desintegração. Minha bússola me tiraria de lá. Com minha lanterna, examinei-o. Quando o feixe fino e afiado atingiu a face da bússola, meu coração parou. A agulha girava loucamente e oscilava para frente e para trás, como se as leis da natureza tivessem sido repentinamente reduzidas ao seu redor.

Pela primeira vez desde que abri o envelope, comecei a perder o controle. A bússola foi minha âncora e confiança. Eu tinha contado com isso. Agora tinha ficado louco. Ouviu-se um barulho alto, mas agora acho que deve ter sido o som da minha própria voz, um grito repentino de medo do qual sempre terei vergonha.

Em seguida eu estava correndo como um animal demente, em qualquer direção, em todas as direções. Quanto tempo corri, não sei. Pode ter se passado horas, ou talvez apenas alguns minutos. Escorreguei e caí dezenas de vezes e corri para os galhos espinhosos dos pinheiros, as agulhas cravando-me no rosto. Eu posso ter chorado; lembro-me do gosto de sal na minha boca. Mas, principalmente, lembro-me de uma fuga cega e precipitada, uma fuga em pânico, indigna e repugnante. Cheguei a ver dois olhos na escuridão, eu gritei e corri deles, ouvindo o bater de asas atrás de mim e o grito assustado de uma coruja. Em um momento eu assustei um pequeno bando de cervos quando caí no meio de suas formas projetadas, se chocando contra mim conforme corriam na escuridão. 

A lua apareceu e a encosta da montanha foi subitamente iluminada com sua beleza fria, branca como a neve nas árvores e na encosta, cintilando nas rochas. Não pude correr mais. Caí no chão, tentando recuperar o fôlego, de repente me perguntando por que havia corrido. Pela primeira vez na vida, senti um medo total e irracional, que se apoderou de mim como as patas de um grotesco animal predador. Eu havia me rendido a ele por apenas um momento, e ele se tornou uma força que me carregou, me arremessando como se eu fosse um nadador capturado em ondas revoltas - uma força que não poderia ser combatida. Ele havia partido agora. Nunca mais eu deveria me render a ele novamente. Olhei em volta e reconheci a plataforma de rocha perto da qual havia colocado meu saco de dormir. Eu vi as cinzas do meu fogo. Eu tinha retornado ao meu acampamento. De alguma forma eu sabia que voltaria.
Enquanto estava deitado ao luar, senti a terra abaixo de mim, contra meus músculos doloridos e o corpo que estava coberto com o brilho desagradável de medo e suor. Senti que era bom até mesmo sentir dor. Sentir era o importante, eu estava vivo.

Eu vi a nave descendo. Por um momento aquilo parecia como uma estrela cadente, mas então ela subitamente se tornou clara e substancial, como um disco largo e espesso de prata. Estava silencioso e pousado na plataforma de rocha, mal perturbando a neve fina que se espalhava sobre ele. Um vento fraco balançava os galhos dos pinheiros, e eu me levantei. Ao fazer isso, uma porta na lateral da nave deslizou silenciosamente para cima. Eu devo entrar. As palavras de meu pai voltaram a minha memória: 'O destino está sobre você.' Antes de entrar na nave, eu parei ao lado da grande rocha plana na qual ela estava pousada. Abaixei-me e escavei na terra, como meu pai tinha pedido, um punhado de terra verde. Eu também senti que aquilo era importante, levar algo comigo, alguma coisa na qual, de certo modo, fosse meu solo nativo. O solo de meu planeta, meu mundo.


Autor: John Norman.
Tradução: Sr. FernandeZ. Essa tradução é uma iniciativa voluntária, sem fins comerciais, para apresentar a filosofia Gor à comunidade Kink & BDSM brasileira. Visto que, até o presente momento, não houve interesse das editoras brasileiras na publicação das obras de John Norman.

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